quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A face oculta da revolução facebook


A luta da era das tecnologias avançadas foca-se numa busca incessante da liberdade em todas as suas vertentes possíveis de alcançar. O surgir das novas tecnologias trouxe consigo alguns benefícios para a sociedade humana, o mais virtuoso de todos é a mobilidade virtual do sujeito tecnológico permitindo lhe acessibilidade à informação de uma forma mais democrática e menos custosa em qualquer ponto do planeta em que se encontra. Graças a tecnologia o homem actual se move em questões de segundos. As chamadas redes sociais virtuais traduzem exemplo deste benefício e cujo resultado real é a sua transformação numa ferramenta de luta politica mais prática e pacifica em pleno séc. XXI.
 Os protestos nos países árabes evidenciam concretamente esta convicção e é aquilo que a muito tempo se previa nas previsões das mais atentas análises da realidade do mundo árabe. O que escapou dessas previsões é a forma como isto poderia acontecer e em qual conjuntura politica poderia transformar-se. O facto que ainda continua sendo uma incógnita na opinião publica mundial.
Mas a verdade é que, os países árabes, na sua maioria, mergulhados numa realidade de instabilidade politica, muitas vezes influenciada pelos interesses alheias ao povo dessas regiões e consequentemente manifesta-se num cenário de desigualdade social, pobreza, a divisão hostil das seitas religiosas. A revolução é a face daquilo que constitui o pensar do homem árabe durante muitos anos que só agora surgiu oportunidade de expressá-la de uma forma política “aceitável”.
É de salientar que, a convicção de que o muçulmano “jamais terá paz, estabilidade, força para defender-se da guerra que o ocidente desencadeia contra o mundo islâmico se este não se submeter incondicionalmente ao verdadeiro e a mais pura doutrina de Allah”. O que significa dizer que enquanto o homem árabe se distancia da ”mais pura lei do alcorão (considerada a guia da vida do homem na terra em todos aspectos), mais frágil estará perante as forças inimigas, a sua cultura, a sua religião e a sua própria dignidade ver-se-á posta em causa e sistematicamente humilhada”. Baseando-se deste modo nos princípios que fundamenta a doutrina islâmica “solidariedade do povo do Mohamad (espírito de umma) justiça social, a defesa da palavra de Allah e a tradição do profeta Mohamad  (Sunna)”.
A luz desta consciência, surge um novo sujeito muçulmano interessado em resgatar aquilo que considera ter perdido. A nova geração muçulmana expressa novos anseios assentados na busca da verdadeira face do Islão não restrita à prática de cultos e como um factor de identidade. Muito além dessas formas tradicionais de ser muçulmano, Islão que se pretende  é aquela que vai fazer parte da vida do muçulmano em todos aspectos da sua vida como um ser social. Isto vai de criar regimes políticos orientados em função do modelo político expresso no alcorão, configurar as relações económicas e os interesses, até na mais elementar organização de modo de vida do individuo e Estado.
O desejo por liberdade, justiça e democracia não passam de emblemas universais “aceitas” e que mobilizam a opinião pública internacional para apoiar qualquer iniciativa política no mundo. Incorporar esses valores ao objectivo da revolução, não passa de uma acção politicamente estratégica para alcançar-se o verdadeiro objectivo dos povos árabes focado a defesa da identidade muçulmana e a proteção do património regional.
Durante muitos anos de regimes ditatoriais no mundo árabe, não se fez nada mais que criar uma elite supra rica e um mar de “desgraçados” mergulhados numa situação de pobreza alarmante, praticamente uma calamidade socioeconómica marcada por ondas de violência e instabilidade política sem fim, guerras, desemprego, vítimas de ataques culturais e submissão do povo à uma realidade de opressão constante tanto pelas forças internas, assim como pelas forças externas. Por outro lado, o que se vê é a ostentação de riqueza por parte das elites, propagação de uma cultura de consumismo escandaloso de bens materiais milionários, carros de luxo, produtos ornamentados de ouro e diamante, bens que muitas vezes não se usam nos países de origem. Tudo isto, traduz-se como “uma agressão aos preceitos Allah e contra o modelo político que o Mohamad pregou”. Associação destas duas éticas, expressa os valores assentados na “solidariedade, justiça, não ostentação da riqueza do povo”.
Colocar islão no centro de tudo que move acção do sujeito muçulmano é o principal símbolo da revolução visto que, até então não se conseguiu isto devido grande obstáculo que os líderes políticos do mundo árabe colocavam e por isto, não são considerados pelo povo como “verdadeiros muçulmanos”, são meros “seguidores das ilusões mundanas”. Por outras palavras, vale dizer que o objetivo da revolução passa por criar uma nova ordem sociopolítica com estratégias diferente daquilo que regia a realidade do mundo árabe. Vale dezer o  mesmo que redefinir as relações entre oriente médio e ocidente, reinventar novas relações dentro da liga árabe que tenderá ser cada vez mais forte em vez das divergências de interesses entre os países que a constitui. Este é o verdadeiro anseio do homem árabe, sobretudo a nova geração representada na sua maioria pelos jovens universitários dispostos a criar uma nova realidade sociopolítica nos seus países. 
Com isto, não estou afirmar que vão surgir novos regimes teocráticos na região, diferente disto, emerge uma nova ordem sociopolítica estratégica que tende alterar a conjuntura das relações entre países árabes e outros países - não necessariamente “radical” como muitos preferem - configurando-se numa realidade mais solidária e focada na defesa da identidade muçulmana e de todo património económico e cultural do mundo árabe. No lugar dos conflitos de “interesses mundanos”, emerge uma luta pelos interesses da identidade religiosa reforçada pelo fortalecimento do espírito da “unidade contra inimigo”. Obviamente isto significa um golpe aos interesses ocidentais, sobretudo aos interesses dos Estados Unidos que vê o “radicalismo islâmico” como ameaça aos valores do ocidente.
Seria ingénuo da minha parte afirmar que haverá uma realidade política cujas relações com ocidente vão ser rompidas,  considerando a interdependência estrutural de interesses destes países com o ocidente. Mas a iminência de uma relação estratégica mais atenta aos interesses do povo árabe e que não constitua ameaça à identidade muçulmana está evidente.
Muito distante daquilo que se prevê no senso comum, estados democráticos regidos pela liberdade, justiça e respeito pelos direitos humanos, vejo novas formas de fazer politica capaz de mudar a ordem da diplomacia entre os países, vejo sobretudo homens e mulheres – envolvidos numa realidade de guerras entre civilizações, exploração, alienação dos interesses e afirmação da identidade - determinados a unir-se em prol da defesa da sua identidade de uma forma mais estratégica como nunca tinham tido esta oportunidade. Não restam dúvidas de que a revolução não para por aqui, haverá mais países envolvidos, em alguns pode custar vida de milhares de civis, como está sendo na Líbia.
O desejo por desenvolvimento dos países árabes, construção dos estados democráticos, a liberdade do povo é parte daquilo que constitui escopo da revolução, mas além, está o que não se expressou ou ainda é cedo para expressar e é o que constitui o que estamos a chamar da face oculta da revolução. Isto passa pela construção dos Estados consolidados em termos ideológicos em prol de uma sociedade justa onde a distribuição da riqueza é vista como inadiável, permitindo a aplicação mais justa de petro-dolares, sobretudo na educação, saúde e segurança publica para defender a soberania nacional e fortalecimento da identidade muçulmana.